*Marcus Nakagawa
Este título inicialmente parece uma frase de autoajuda, mas é algo que tenho discutido muito, ultimamente, em sala de aula, com colegas e amigos próximos. Nestas andanças de trabalho de consultorias pela iSetor e de palestras e reuniões pela Abraps tenho me deparado muito com esta pergunta. Encontro dezenas de profissionais que estão cansados de fazer o mesmo, do jeito que faziam há pelo menos três décadas.
É sempre a mesma história: da casa para o trabalho e do trabalho para casa, buscando sempre mais dinheiro para alcançar o valor financeiro e, assim, ter status. Ou seja, é a constante busca pelo consumo de produtos e serviços que, na verdade, não são essencialmente necessários para o dia a dia. E vira uma espécie de círculo vicioso, com os dias passando e as pessoas buscando, cada vez mais, dinheiro e consumindo mais tempo de suas vidas para isso.
Existem alguns movimentos de pessoas que já deixaram de lado o consumo excessivo e vivem uma vida mais simples e com mais experiências. Um artigo bastante interessante publicado pelo New York Times mostra que algumas pessoas estão em busca de um novo estilo de vida para o antigamente cobiçado “american way of life”. E, constantemente, vejo outros artigos que abordam justamente o mesmo tema, aqui no Brasil.
Dessa forma, há uma propulsão para um movimento tímido, que ainda não arrebatou uma multidão. Diria que seus seguidores são uma minoria resistente que vive quase num mundo paralelo para a massa da população televisiva e consumista.
Recentemente, em um trabalho pela minha empresa, juntamente com o meu sócio, fizemos a facilitação para o planejamento estratégico organizacional de um grupo de pessoas que trabalham para uma O.S. (entidade privada, sem fins lucrativos) de música numa capital no nordeste brasileiro.
Durante o trabalho, perguntamos o que os funcionários e gestores gostavam de fazer no seu horário de lazer, e por incrível (para não dizer óbvio) as frases mais frequentes foram “ouvir e tocar música”, além de “estar com pessoas (amigos e família)” e “ensinar”. Este grupo era formado mais ou menos por 50 pessoas das mais diferentes áreas, músicos, administradores, educadores, montadores, produtores, técnicos, serviços gerais etc.
Nesta organização, o principal foco é a busca da mudança na vida de jovens e crianças por meio da atividade e aprendizagem coletiva da música para o seu desenvolvimento pleno. O resultado paralelo, além da transformação social, é de músicos maravilhosos em algumas orquestras dentro deste estado federativo do nosso país. E tudo isso financiado pelo Estado!
Na facilitação, enquanto contavam do seu trabalho ou do que achariam que poderiam melhorar nos projetos e na organização, seus olhos brilhavam e uma energia positiva vibrava no ar. Meio místico, porém incontestável. Todos realmente estavam antenados e concentrados no exercício que fazíamos, pois buscávamos melhorar a organização e o seu dia a dia. Sempre focando o público e a missão da O.S.
Parece meio romântico, porém estas pessoas estavam fazendo o que realmente gostam e acreditam. Ao longo da sessão muitos frutos e transformações foram citadas, como o aluno que virou instrutor ou algum jovem músico que foi fazer carreira internacional, pois descobriram uma aptidão e uma paixão.
Viver para trabalhar é uma escolha que temos que fazer, sem ser influenciados por fatores externos, pressões sociais e status. Envolver-se em algum projeto social, ambiental, fazer um voluntariado ou algo assim pode ser uma forma de escapar da sua realidade, se você não pode se dar ao luxo e viver somente naquele trabalho que realmente você almeja.
Outra forma é planejar uma carreira focada nestes temas ou já direcioná-la para tal. E quem sabe não fazer alguns trabalhos voluntários ao longo da carreira e depois, quando aposentar, ficar full-time. Ou ainda elaborar um projeto social ou ambiental podendo se transformar num empreendedor social. Ou então fazer um negócio social.
O importante de todas estas conversas e discussões destas semanas é que precisamos continuar refletindo, ampliando as nossas percepções e pesquisando, para que no momento certo (que dependerá de cada um) tenhamos a atitude para ter uma vida mais leve, sem o peso de viver para trabalhar.
*Marcus Nakagawa é sócio-diretor da iSetor, professor da ESPM e diretor-presidente da Abraps – Associação Brasileira dos Profissionais de Sustentabilidade.
Uma O.S., segundo Eurico de Andrade Azevedo, é uma qualificação, um título, outorgada a uma entidade privada, sem fins lucrativos, para que ela possa receber determinados benefícios do Poder Público (dotações orçamentárias, isenções fiscais etc.), para a realização de seus fins, que devem ser necessariamente de interesse da comunidade.
As O. S. também fazem parte do terceiro setor. Lembrando que, segundo Stephen Kanitz, no site filantropia.org, o primeiro setor é o governo, que é responsável pelas questões sociais. O segundo setor é o privado, que cuida das questões individuais. Com a falência do Estado, o setor privado começou a ajudar nas questões sociais, através das inúmeras instituições que compõem o chamado terceiro setor. Ou seja, o terceiro setor é constituído por organizações sem fins lucrativos e não governamentais, que tem como objetivo gerar serviços de caráter público.
No mercado as pessoas da área comentam que ainda existe um quarto setor, aquele que arrecada os bens públicos para fins privados, ou seja, a corrupção ou ainda a “Pilantropia”.