Fui buscar no oráculo dos termos e fontes, e achei um livro, artigos, músicas e afins, mas não muito focados no empresarial e me inspirei para escrever um pouco mais sobre este tema.
Segundo alguns dicionários, mercenário significa aquele que age, serve ou trabalha somente por dinheiro ou por vantagens que lhe são oferecidas; um interesseiro que é movido apenas pelo interesse pessoal e material. No âmbito militar, é aquele que realiza um trabalho a partir de um valor ou salário ajustado; soldado que serve por dinheiro. E para missionário, aquele que se dedica a propagar uma fé religiosa; aquele que propaga uma ideia, um princípio, uma causa etc. com o fim de angariar adeptos. Ainda temos termos como pregador e propagandista; aquele que missiona.
Sobre esta discussão já ouvi muita gente falando em evangelizar para a causa, ou pregar as questões socioambientais. Além do famoso termo que “podemos, ao mesmo tempo, trabalhar para uma causa e ganhar dinheiro”. E nestes vários fóruns, debates e palestras, já ouvi falar, também, que podemos trabalhar para vender, ganhar o lucro da empresa e ajudar os outros. Por outro lado, também já ouvi pessoas falando em vender sabonete ou iogurte com um pouco de crianças necessitadas ou animais abandonados. “Vender a pobreza e a doença junto com os produtos pode ser lucrativo”, esta foi a frase mais impactante que ouvi.
Para as empresas que têm produtos e negócios considerados tradicionais, que não foram diretamente criados para realizar um impacto socioambiental, uma das formas de se trabalhar essa tal de causa é por meio do marketing relacionado à causa ou marketing de causas. A ideia deste conceito é uma aliança entre uma empresa e uma organização da sociedade civil, conhecida também como ONG. Neste caso, haverá um ganha-ganha, utilizando o poder de suas marcas para benefício mútuo. O mais utilizado atualmente é quando uma empresa coloca um produto para vender e doa parte desta venda para uma organização. Um dos casos mais antigos é a famosa campanha Mc Dia Feliz, realizada em agosto e, neste ano, foi sua 31ª edição, ou seja, mais de 30 anos da atividade. Em 2018, foram mais de R$ 24 milhões arrecadados e em 2019 serão beneficiadas 59 instituições apoiadas pelo Instituto Ronald MCDonalds e o Instituto Ayrton Senna. A mecânica é simples, o valor de cada sanduíche Bic Mac, menos os impostos, é arrecadado e doado para essas organizações.
Reforçando este conceito e o uso dele para as empresas, o terceiro estudo de Marketing Relacionado à Causa, lançado em outubro de 2019 pela Ipsos, ESPM, Instituto Ayrton Senna e Cause, mostra que o brasileiro não conhece muito bem este termo, porém, 77% dos 1.200 entrevistados são favoráveis ao termo e 34% das pessoas consultadas disseram ter comprado, nos últimos 12 meses, produtos que destinavam parte de seu valor a causas sociais, culturais ou ambientais. E ainda, 23% afirmaram ter preferido comprar um produto que contribuía para uma causa, em vez do seu concorrente. Ou seja, é uma forma de se trabalhar a marca e apoiar uma causa.
Outro formato é o apoio direto a uma organização ou a um projeto, neste modelo de Investimento de Impacto Social, a empresa Ypê tem feito a parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica e já plantou mais de 850 mil árvores, desde 2007, com o Projeto Floresta Ypê. A empresa tem até um comercial antigo e muito divulgado na TV aberta, falando que novas árvores são plantadas a cada produto comprado. Além de outros projetos que apoia com a Fundação, esta parceria e muita comunicação gerou uma lembrança da marca atrelada ao meio ambiente. A pesquisa Top of Mind 2019, do Datafolha, realizada com 6.618 pessoas de todo o Brasil, em 197 municípios, mostrou que as empresas Ypê e Natura foram lembradas por 5% do público quando o assunto era meio ambiente, a Ypê chegando a 7% no critério desempate devido à margem de erro. É a 13ª vez consecutiva que a Ypê vence, liderando todas as edições da pesquisa nesta categoria, mostrando que o investimento e o ganha-ganha está sendo importante para a marca e para a Fundação.
Mas imaginem criar uma empresa com o cunho socioambiental, ou seja, já criar produtos e serviços que resolvam algum problema da humanidade ou do planeta. Estes são os negócios de impacto social e/ou ambiental. A pesquisa da Pipe Social de 2019, realizada com 1.002 negócios no Brasil, mostrou que essas organizações são novas, pois menos da metade tem mais de cinco anos, só 26% delas, e que 43% ainda não tem faturamento. É um campo novo, porém, já existem referências de empresas que dão certo, como o caso da Boomera. Henrique Brammer foi o campeão do Prêmio Empreendedor Social 2019, parceria da Folha de São Paulo com a Fundação Schwab, mostrando que trabalhar com resíduos – mais conhecidos como lixo, reciclagem, grupos de catadores, aterros sanitários, de uma forma circular e inclusiva socialmente pode ser rentável e, ao mesmo tempo, resolver este grande problema do país.
Lembrando que, numa pesquisa de 2019, feita pelo WWF, o Brasil é o 4º maior produtor de lixo plástico do mundo e recicla apenas 1%, por exemplo. Outra referência que o Prêmio coloca como Empreendedor Social de Futuro foi a Carambola de Gustavo Glasser, que tem uma história pessoal fantástica de superação contra preconceitos e montou um negócio de T.I. para inserir todos os tipos de pessoas, em um mercado dominado por homens brancos, heterossexuais e de classe média-alta.
Pois é, talvez a questão não seja definir se todos estes casos são de mercenários tentando se “aproveitar” de uma causa ou de missionários usando o sistema atual da mais valia financeira para resolver problemas sociais e ambientais. Neste momento de desenvolvimento e evolução desse tema, talvez seja cedo demais para separar e definir. E, talvez, qualquer conclusão seja muito precoce, bruta ou insipiente.
Talvez o mundo e o nosso querido país precisem atualmente de menos polarização e de mais integração entre conceitos, ideologias, formas de pensar e agir. Principalmente, se o foco é resolver problemas sociais e ambientais.
*Marcus Nakagawa é professor da ESPM; coordenador do Centro ESPM de Desenvolvimento Socioambiental (CEDS); idealizador e conselheiro da Abraps (Associação Brasileira dos Profissionais de Sustentabilidade); e palestrante sobre sustentabilidade, empreendedorismo e estilo de vida. Vencedor do Prêmio Jabuti 2019/Economia Criativa com o livro 101 Dias com Ações Mais Sustentáveis para Mudar o Mundo e co-autor dos livros: Marketing para Ambientes Disruptivos e Nosso mundo: não temos plano B. www.marcusnakagawa.com